Ana Bravo entrevistada pelo jornal Vida Económica (17/Dezembro/2010)

Segundo o mais recente inquérito do Banco de Portugal (BdP), os portugueses parecem revelar pouca sensibilidade para poupar. Apenas 20% dos inquiridos poupam numa lógica de médio e longo prazo, sendo que a maioria (54%) considera como poupança o “dinheiro deixado numa conta à ordem para gastar mais tarde”.

Para Ana Bravo, sócia-gerente da RP Créditos e da RP Formação, esta realidade “está directamente relacionada com uma resposta às urgências do apelo ao consumo”, com “o imediato, em vez do longo prazo”, e revela uma clara falta de “cultura financeira” e uma ausência de conhecimentos básicos da generalidade dos portugueses. “As pessoas impelem-se facilmente ao consumo e compensam-se comprando” e por isso “a tão famosa frase do ‘chapa ganha, chapa gasta’ é, infelizmente, mais comum do que se imagina”, salienta.

Vida Económica – A prática de deixar os recursos financeiros excedentários numa conta à ordem pode ser interpretada como simples inércia dos portugueses face à poupança?

Ana Bravo – Devemos começar por falar na criação de recursos excedentários: a tão famosa frase do “chapa ganha, chapa gasta” é infelizmente mais comum do que se imagina, já para não falar que muitas vezes o vencimento não chega para fazer face às responsabilidades que se foram adquirindo ao longo do tempo.

O que falta é realmente uma cultura financeira, visão e objectivos de vida consolidados. Saber onde estamos, o que queremos e estabelecer objectivos claros e orçamentados para lá chegar. Mas para isto é preciso estrutura, conhecimento. É preciso saber como fazer e muito importante: é preciso querer fazê-lo!

Pensar que o dinheiro deve ficar à ordem está directamente relacionado com uma resposta às urgências do apelo ao consumo, ou seja, com o imediato, em vez de pensar a longo prazo, naquilo que vão precisar para viver dignamente quando já não tiverem o resultado do seu trabalho mensal. Faz sentido ter dinheiro posto à parte para uma emergência ou algo que se quer a curto prazo? Sim, claro, se a par e passo com isso tivermos também um suporte financeiro de longo prazo!

VE – Os portugueses em geral continuam portanto a encarar a sua vida financeira como algo que se há-de resolver na altura…

AB – Bem, eu tenho este mau hábito de dizer o que realmente penso e por isso espero não ferir susceptibilidades, mas essa é uma atitude histórica. O bom português é o “desenrascado! quando lá chegarmos, logo se vê! A passividade do costume que já nos tem custado alguns dissabores!
Na verdade, para além de a maioria dos portugueses não estar preparado, não ter formação financeira suficiente, continuamos a deparar-nos com uma atitude de espera que as condições melhorem.
Continuamos a ver que as corridas ao shopping para compras supérfluas, o comprar sem medir consequências e as queixas constantes que o dinheiro não chega… Continuamos a antecipar a gratificação imediata à capacidade real para pagar o que desejamos.

É importante perceber que, embora não saibamos se a conjuntura muda ou se as coisas melhorem sabemos que nos podemos mudar! Podemos aprender a fazer e a ser melhor! Isto sim está completamente nas nossas mãos!

VE – Quais as principais razões que justificam tão fracos hábitos de poupança e de cultura financeira?

AB – Com a adesão ao euro sentimos na carteira a nivelação dos preços de muitos produtos e serviços, mas não do ‘incoming’ mensal suficiente para lhe fazer face. Neste período houve entrada de capitais e subsídios e passámos por uma aparente ‘vie en rose’ e criámos hábitos de consumo facilitados pela grande abertura e incentivo das instituições financeiras que também nos ajudaram a pensar que tudo estava à distância de um crédito.

Num contexto socioeconómico de aparente acalmia financeira, demos o privilégio ao luxo, à aparência, ao ‘ter’ em vez do ‘ser’.
Todas estas mudanças ocorreram sem uma formação da população adequada. Não sabemos fazer contas!
Aquelas que realmente interessam para o dia-a-dia, as que nos ajudam a perceber quanto podemos gastar e de que forma, tendo em conta o rendimento mensal do agregado familiar.
Notemos então a muito baixa literacia financeira dos portugueses, os problemas crescentes de sobre-endividamento, o consequente e esperado incumprimento bancário…

Por tudo isto, tornou-se urgente não só a formação no sentido da prevenção de problemas financeiros mas mais ainda no sentido da correcção desses problemas já existentes.

“Só sobra se poupar primeiro!”

VE – A maioria dos inquiridos que não poupam (88%) refere os rendimentos insuficientes como a principal razão para tal. Esta justificação corresponde de facto à realidade ou simplesmente resulta de um deficiente e pouco criteriosa aplicação dos recursos disponíveis?

AB – Todos conhecemos o estado da nossa economia, a crise geral, o sistema de impostos penalizante, entre outros, mas quantos de nós se senta pelo menos uma vez por mês para fazer um orçamento mensal? Medir os seus ganhos e gastos, estabelecer plafonds? Sabemos fazê-lo? Queremos fazê-lo?
Deparamo-nos frequentemente com a atitude: “Poupo quando tiver dinheiro”, “Poupo quando sobrar”… mas a realidade é que só sobra se poupar primeiro!

VE – Concorda portanto com o princípio de que a poupança deve ser vista como uma despesa que tem de ser paga logo no início do mês, dentro da lógica de pague a si próprio primeiro?

AB – Esta é uma das regras que partilhamos nos nossos workshops! A primeira rubrica do nosso orçamento deve ser exactamente essa: “Pague-se a si próprio primeiro”, ou seja, a rubrica da poupança! O impacto psicológico que tem ver as nossas poupanças a crescer tornam rapidamente esta obrigatoriedade numa gratificação!

É muito importante que as pessoas entendam o porquê disto, percebam como trabalha a mente, em que assentam os nossos comportamentos. Dessa forma, terem o suficiente para tomar decisões em consciência.

“Perceber exactamente onde estamos” deve ser o primeiro passo

VE – Existem incontáveis dicas que nos ensinam a poupar dinheiro. Mas por onde devemos começar? Qual deve ser o primeiro passo?

AB – O primeiro passo é perceber exactamente onde estamos, qual a nossa situação actual, como gastamos e em quê! Um diagnóstico, tal como ir ao médico, antes da prescrição, é preciso identificar a maleita. Depois fazer um orçamento e sermos fiéis ao mesmo. Detectar e corrigir hábitos de consumo e de pensamento.

VE – Mas acredita que os cidadãos têm à sua disposição os conhecimentos e instrumentos adequados que lhes permitam gerir os seus orçamentos da forma mais adequada?

AB – Comecemos por casa. Poucos tivemos quem nos ensinasse que se não tem dinheiro não se compra; que é preciso fazer um orçamento mensal, anual, que devemos ter uma rubrica destinada à poupança, que devemos calcular a reforma nesse orçamento ou que, se queremos comprar algo, devemos ter dinheiro para o fazer.

Na escola, ensinaram-nos muitas contas, mas não aprendemos as que nos ajudam a perceber o que são dívidas, taxas de juro, o que é um orçamento, como o construir, a importância de o manter e que cada vez que pretendemos comprar devemos analisar esse orçamento e perceber as nossas possibilidades ou que cada vez que adquirimos um crédito isso é mais uma prestação a somar às que existem e esse é um factor a ponderar no orçamento mensal.

Já na vida, muitas vezes temos a tendência à desresponsabilização, apontar o dedo ao exterior é fácil mas não resolve. Quando eu quis aprender, procurei livros, pessoas e formações que me pudessem ajudar.
Agora as coisas estão cada vez mais facilitadas, pois já existe muita gente a falar sobre estes temas. O ideal seria ter a educação financeira como disciplina curricular, independentemente do curso. Mas até lá chegarmos garanto que, para quem quer, existe já um leque interessante de informação e formação sobre estas matérias.

FERNANDA SILVA TEIXEIRA
fernandateixeira@vidaeconomica.pt